Pela mesma porta que o nosso amor.



Entrei na sala, apressadamente. Você estava á janela fumando seu ultimo cigarro, calmamente. Eu quis gritar. “Pra onde ele foi?” perguntei, exasperada. “Ele quem?”.  Ele quem? Depois de todos esses anos, ele quem? Ele, ué. O nosso amor. Aquele que me recebia em casa todos os dias depois de um dia cheio de trabalho, com uma torta de limão e um frango assado na mesa. Aquele me acordava com beijinhos no pescoço. […] Sabe aquele que cantava comigo, mesmo cantando muito mal, porque sabia que eu gostava e que me faria rir.  Se lembra dele? Ou ele já se foi há tanto tempo que mal se lembra que ele existe? […] Agora, não adianta culpar ninguém. Até porque a culpada sou. Fui que deixei escapar né? O amor escorreu pelos meus dedos que nem água. Você escorreu pelos meus dedos que nem água. Eu estava tão distraída, tão segura, que nem percebi. Respirei fundo e respondi: “O amor, Mattie, o nosso amor, cadê ele?”. Você tragou mais uma vez, bateu o cigarro dentro da xícara de chá descansada sobre o parapeito e deliberadamente sorriu, o sorriso mais triste que já vi. “Ele fugiu, Anna. Você deixou sua porta aberta, e ele fugiu. E ele não é um cachorro. Não se pode colocar uma plaquinha com a foto dele atrás do balcão da padaria.”   E então voltou a fumar. Calmamente, como se aquela declaração não fosse tão doida quando colocar aquele cigarro no qual ele apertava os lábios em volta na minha pele. […] Quis chorar, gritar, espernear, ameaçar e ligar pra mãe dele. Mas só perguntei – perguntei para o manter falando. Queria guardar a voz dele na mente porque algo me dizia que muito breve eu só a ouviria naquelas constrangedoras ligações que mulher faz bêbada em véspera de ano novo. Perguntei “E agora? E agora o que eu faço?”. Ele chegou perto e me fez passar os braços em volta dele. Me agarrei a sua camiseta laranja e senti seu cheiro enquanto ele terminava de falar. […] “Você aceita. Você me abraça e aceita. E então, só então, me deixa ir.” E eu o abracei, bem apertado, quase nos fundi em um só. E então o deixei ir, seguindo pela mesma porta que o nosso amor.

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